Qual a razão do interesse cada vez maior de investidores sobre a gestão dos aspectos ambientais, sociais e éticos das empresas em que investem?

Há três grandes vertentes que justificam o olhar cada vez mais atento dos investidores para a agenda ESG: o risco, a oportunidade e o dever fiduciário.

A perspectiva do risco é de preservação de valor: o investidor busca entender de que forma os fatores ambientais, sociais e de governança podem representar riscos para os ativos nos quais está pensando em investir e como isso pode ser inserido nas projeções de valuation dessas companhias. Entender como as empresas estão tratando temas como as mudanças climáticas, o monitoramento das práticas adotadas na cadeia de fornecedores e as iniciativas anticorrupção (para citar apenas três exemplos dos muitos possíveis) traz mais segurança de que certos riscos terão menos chance de se materializar.

Quando falamos de oportunidade, estamos tratando de geração de valor. Com uma sociedade cada vez mais engajada nas pautas socioambientais, os investidores podem identificar possibilidades para alavancar receitas, atrair capital e reduzir custos de operação das empresas ao olharem para a agenda ESG. É possível transformar os desafios da agenda em oportunidades reais que resultem em geração de valor e ganhos de market share e reputacionais.

Por último, o dever fiduciário nada mais é do que a responsabilidade assumida pelos gestores perante os cotistas de considerar todas as informações que possam impactar na valorização ou desvalorização dos ativos. A partir do momento em que percebemos como as questões ESG impactam nos riscos e nas oportunidades dos ativos, não olhar para essa agenda seria falhar com esse dever. 

Por que a análise setorial – como apresentada na publicação que está sendo lançada – ajuda os investidores?

Quando temos a distinção da qualidade da gestão ESG por setores, é possível ver quais são aqueles que têm práticas ESG mais avançadas e bem estabelecidas, e quais são os que estão mais atrás na agenda. A análise setorial ajuda o investidor a entender os desafios em cada segmento ea dimensão desses desafios. O investidor pode utilizar a informação por setor para avaliar se os temas considerados críticos fazem parte de sua análise.

O recorte setorial apresentado no estudo e a comparação dos dados entre os anos refletem um diagnóstico da jornada ESG no Brasil considerando as maiores empresas brasileiras, listadas na bolsa. É possível verificar qual tem sido o desempenho médio dessas empresas em cada um dos tópicos avaliados, como elas desempenham nos temas mais ou menos materiais em relação à natureza das suas atividades e como evoluíram no tempo. Também conseguimos extrapolar de forma clara quais são os principais aspectos para cada um dos setores que devem ser monitorados pelos investidores ao longo do tempo, que podem ser traduzidos pelo conceito de materialidade. O nível de risco ESG para cada um dos setores pode, inclusive, sugerir mais um indicador a ser utilizado na estratégia de diversificação de carteiras dos gestores.

Os desempenhos podem refletir certas dificuldades ou facilidades nos temas inerentes a cada setor. Papel e celulose, por exemplo, é um segmento com características muito específicas, exposto à exportação e que precisa responder às regulamentações internacionais. O próprio fato de trabalhar com ativos biológicos (florestas) exige uma prática ESG mais robusta, envolvendo preservação e manejo florestal, o que coloca o desempenho do setor na agenda ESG à frente dos demais. Por sua vez, a construção civil – que apresentou a média mais baixa entre os scores em ESG no período do estudo – ainda tem muitos desafios relacionados à cadeia de valor, à governança e ao clima. É um setor bastante dependente do cenário macroeconômico e do engajamento das lideranças nas pautas ESG para que as práticas se desenvolvam, pois grande parte das empresas são familiares.

Para além da avaliação do desempenho nos temas, o Yearbook também traz um overview sobre quais foram as principais lacunas identificadas em cada um dos segmentos.

Quais as três principais conclusões da pesquisa?

O estudo foi pautado em dados públicos, dos últimos cinco anos, das empresas listadas na bolsa de valores de São Paulo. Nesse período, foi possível perceber que as práticas ESG foram consistentemente aprimoradas. Esta é uma das principais conclusões da publicação, visto que a agenda ESG é uma jornada sem “linha de chegada” e é um processo que exige um comprometimento transversal das organizações e a contínua melhoria das práticas. Os dados mostram que isso está acontecendo com cada vez mais envolvimento das lideranças e transparência sobre os resultados.

Em termos setoriais, os destaques ficaram para: papel e celulose, que apresentou o maior score ESG em todos os anos analisados; utilities (engloba as empresas de energia elétrica e saneamento), que foi o segmento que mais evoluiu em suas práticas entre 2018 e 2022; e o setor de construção, shoppings e properties, que, embora ainda apresente a média mais baixa entre os scores ESG setoriais, teve uma melhora significativa de 2021 para 2022. No estudo, exploramos um pouco mais quais fatores influenciaram esse cenário.

Quais as tendências que vocês identificam no contexto de preparação de informações sobre essa gestão para o mercado?

Com base na análise das informações públicas das empresas abarcadas pelo estudo, foi possível notar que aquelas com maior potencial de negociação e representatividade no mercado brasileiro recebem mais demandas e cobranças em relação à gestão dos aspectos ambientais, sociais e de governança, e começam a atuar mais cedo nessas frentes. Tendo as práticas estabelecidas por mais tempo, essas empresas alcançam um grau de maturidade maior e dão mais transparência às informações. Seus resultados naturalmente refletem essa jornada.

Para as empresas com abertura de capital recente, por sua vez, observamos que tendem a estar mais focadas na estruturação da relação com investidores, na consolidação de seus conselhos e na adaptação às novas exigências regulatórias que precisam responder. Consequentemente, levam um pouco mais de tempo para apresentarem melhores resultados em suas práticas ESG.

Outro ponto que observamos foi uma evolução na tempestividade de divulgação dos dados: cada vez mais empresas publicam seus relatórios de sustentabilidade até o fechamento do primeiro semestre. Isso sinaliza que as métricas e os processos internos da agenda ESG já estão consolidados.

Quais recomendações vocês gostariam de compartilhar com empresas que buscam capital no mercado? E para os investidores?

Para as empresas, há um mercado grande e que tem crescido cada vez mais: dos títulos e dos empréstimos temáticos (bonds e loans).

Para emitir os green bonds e social bonds, é preciso cumprir uma série de parâmetros. O principal deles é “carimbar” esse dinheiro, ou seja, o recurso obtido dessa emissão precisará ser utilizado obrigatoriamente no financiamento de projetos que tragam adicionalidades ambientais ou sociais claras, tais como a construção de uma usina de energia renovável. Já os sustainability-linked bonds (SLB) têm uma abrangência maior. São títulos que podem ser emitidos por qualquer empresa e cujas taxas de juros da operação estão condicionadas ao cumprimento de metas de sustentabilidade que sejam relevantes para a própria organização, para o setor de atuação e tratem de desafios globais ou regionais.

Para a emissão de títulos e empréstimos temáticos é preciso que os compromissos assumidos exijam das empresas um esforço que fuja do business as usual, isso é, o cumprimento da meta precisa ser, de fato, um desafio que faça o negócio rever suas práticas e trabalhar em cima disso.

Para os investidores, cabe dizer que a agenda ESG é cada vez mais levada em conta na tomada de decisão de investimentos, principalmente no contexto internacional, no qual se tem observado muito a forma como os aspectos ESG entram no valuation e permeiam o processo de investimento das gestoras.

No fim do dia, o trabalho a ser feito pelos investidores é parecido com o das empresas: a partir do momento em que há essa demanda pelas práticas ESG, atendê-la se torna uma vantagem competitiva e de destaque em comparação a outras casas de investimento. É preciso avaliar quais aspectos da agenda ESG são compatíveis com a cultura da casa para definir a melhor estratégia a ser adotada no processo de investimentos. Quando isso está definido e faz parte inerente da avaliação de ativos, passa-se a mostrar para investidores estrangeiros, órgãos multilaterais e outros cotistas relevantes que vale a pena injetar capital na gestora, pois o compliance ESG está sendo cumprido.

Maria Eugênia Buosi

Economista e mestre em Finanças pela FEA-USP.

Na KPMG desde 2022, é sócia de ESG Financial Risk Management. Maria Eugênia tem 17 anos de atuação na indústria financeira e no mercado de capitais. Iniciou sua carreira como gestora dos portfólios de investimentos sustentáveis do ABN AMRO Asset Management e Santander Asset Management.

Há 10 anos, fundou a Resultante ESG – empresa de consultoria especializada em finanças sustentáveis, que foi adquirida pela KPMG no Brasil em outubro de 2022.

Também atua como docente em disciplinas de finanças sustentáveis em escolas como IBGC, Saint Paul e Fundação Dom Cabral.

Bruno Youssif

Administrador e mestrando em Sustentabilidade pela Fundação Getulio Vargas (FGV).

Na KPMG desde 2022, é sócio-diretor de ESG Financial Risk Management. Começou a atuar com sustentabilidade há 14 anos, na área institucional do Banco Santander Brasil.

Tem experiência em auditoria de informações financeiras, geração de conhecimento, aprimoramento de práticas e processos decisórios que integrem as questões ESG junto a agentes do setor financeiro, investidores institucionais, empresas, associações e organismos multilaterais e do terceiro setor.

Foi sócio-fundador da Resultante ESG – empresa de consultoria especializada em finanças sustentáveis, que foi adquirida pela KPMG no Brasil em outubro de 2022.

  


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