A IFRS 9 cria novos desafios para as empresas

A IFRS 9 cria novos desafios para as empresas

Os novos requerimentos contábeis para instrumentos financeiros impactam todas as empresas, não apenas os bancos.

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Tiago Bernert

Sócio-líder de Risk Management DPP

KPMG no Brasil

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A IFRS 9 Instrumentos Financeiros (CPC 48) não é aplicável apenas aos bancos. Muitas empresas estão fechando neste momento suas primeiras demonstrações financeiras anuais após a adoção da IFRS 9 (CPC 48). Neste contexto, dois aspectos podem ser bastante desafiadores:

  • Determinar a base de mensuração apropriada para ativos requer mais julgamento. Além disso, certos ativos financeiros que antes eram mensurados ao custo amortizado passam a ser mensurados ao valor justo, sendo que nem sempre existem preços observáveis disponíveis para sua mensuração.
  • A mensuração da redução no valor recuperável (impairment) dos ativos financeiros muda de um modelo de perda de crédito incorrida para um modelo de perda de crédito esperada. Isso significa que provisões para perdas de crédito com recebíveis e ativos contratuais podem requerer projeções de dados econômicos futuros mais robustas.

 

A IFRS 9 (CPC 48) é efetiva para períodos anuais iniciados a partir de 1º de janeiro de 2018¹ e é aplicável a empresas de todos os setores. A IFRS 9 (CPC 48) introduz mudanças importantes para a maior parte das empresas. Se de um lado o impacto da norma sobre as instituições financeiras tem sido altamente divulgado, de outro lado, o impacto sobre as empresas não financeiras não tem recebido a mesma atenção. Em nosso artigo IFRS and US GAAP long awaited changes to hedge accounting apresentamos uma reflexão sobre os impactos dos novos requisitos relacionados à contabilidade de hedge. Neste artigo, concentramo-nos nas questões relacionadas à classificação, mensuração e impairment, que são pertinentes para empresas não financeiras.

A IFRS 9 (CPC 48) é uma norma contábil abrangente, que exige uma combinação de julgamento por parte da administração e de cálculos complexos, que podem exigir uma intensa mudança de modelo nos processos chave, envolvendo diversas funções dentro da organização. Como parte do processo de atualização das rotinas contábeis para classificação, mensuração e impairment de ativos financeiros, as empresas também devem considerar a disponibilidade de dados, divulgações adicionais e outros processos financeiros a partir da data da adoção inicial. Isso geralmente implica também uma atualização sistêmica. É preciso que as empresas não financeiras considerem as seguintes ações, dentre outras:

  • Necessidades de negócio da área contábil e de outros usuários das demonstrações financeiras;
  • Adaptação do processo de elaboração das demonstrações financeiras e dos controles internos relacionados para atender aos novos requisitos de divulgação;
  • Disponibilidade e armazenamento dos dados e estratégia para migração de sistemas;
  • Arquitetura de sistemas e possíveis restrições;
  • Controles internos relacionados aos relatórios financeiros; e
  • Cálculos de impostos.

 

Classificação e mensuração

A nova norma altera a maneira como os ativos financeiros são classificados no balanço patrimonial e estabelece as seguintes categorias:

  • Ativos financeiros mensurados ao custo amortizado;
  • Ativos financeiros mensurados ao valor justo por meio de outros resultados abrangentes (VJORA); e
  • Ativos financeiros mensurados a valor justo por meio do resultado (VJR).

As categorias de mensuração da IAS 39 Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração (CPC 38) para títulos mantidos até o vencimento, empréstimos recebíveis e disponível para venda foram eliminadas.

Para investimentos em instrumentos patrimoniais que não são consolidados nem contabilizados pelo método da equivalência patrimonial, a IFRS 9 (CPC 48) altera a sua classificação e mensuração. De acordo com a IAS 39 (CPC 38), os investimentos em instrumentos patrimoniais eram classificados como (i) disponíveis para venda e avaliados pelo VJORA ou (ii) como mantidos para negociação, sendo mensurados ao VJR. Havia também uma isenção que permitia às empresas mensurar os instrumentos patrimoniais a custo, em circunstâncias limitadas.

O IFRS 9 (CPC 48) exige que as empresas mensurem investimentos em instrumentos patrimoniais ao VJR, mas oferece a opção de mensurá-los no VJORA, se esses não forem mantidos para negociação. Isso significa que o custo não é mais uma base de mensuração aceitável. A opção de VJORA para instrumentos patrimoniais pode ser útil para empresas que buscam evitar a volatilidade no resultado. Entretanto, existem algumas desvantagens, por exemplo, os ganhos ou perdas do investimento são registrados em outros resultados abrangentes e nunca mais serão reclassificados para o resultado.

Para investimentos em instrumentos de dívida, a IFRS 9 (CPC 48) introduz uma análise de duas etapas para determinar a categoria apropriada para sua classificação e mensuração.

 

1) Avaliação de “Somente P&J”:
Os fluxos de caixa do ativo financeiro são compostos exclusivamente por pagamentos de principal e juros (Somente P&J)?

Não

VJR

Sim

Vá para o passo 2

2) Avaliação do modelo de negócio:
O objetivo do modelo de negócios é manter ativos financeiros para…

 

Coletar os fluxos de caixa contratuais

 

Custo amortizado

 

Tanto coletar os fluxos de caixa contratuais como vender os ativos financeiros

 

VJORA

 

Outro modelo de negócio

 

VJR

 

A aplicação do critério de Somente P&J e a avaliação do modelo de negócio exigem julgamento da administração e, portanto, novos processos, controles e documentação robusta para dar suporte às conclusões da classificação.

 

Observação KPMG

A aplicação mais recorrente do valor justo como base de mensuração na aplicação da IFRS 9 (CPC 48) em comparação com a IAS 39 (CPC 38) é o maior desafio operacional para empresas que possuem carteiras de títulos de dívida e/ou títulos patrimoniais. Historicamente, as empresas não financeiras nem sempre tem processos estabelecidos para determinar o valor justo de títulos não negociados. Essas empresas terão possivelmente que criar novos processos e capturar novos dados para aplicar a mensuração do valor justo de acordo com a IFRS 13 Mensuração do Valor Justo
(CPC 46).

 

Avaliações anteriores sobre derivativos embutidos em ativos financeiros também precisam ser revistas. De acordo com a IAS 39 (CPC 38), um derivativo embutido era separado do contrato principal quando as características econômicas e riscos do derivativo embutido não estavam altamente relacionados aos do contrato principal. Ao contrário da IAS 39 (CPC 38), os derivativos embutidos cujo contrato principal é um ativo financeiro não são separados do contrato principal de acordo com a IFRS 9 (CPC 48). Ao invés disso, o contrato inteiro, composto pelo contrato principal e pelos derivativos embutidos, é avaliado como uma única unidade de contabilização. Na maioria dos casos, isso significa que ele não atende ao critério de Somente P&J e, portanto, é mensurado ao VJR como um todo.

 

Exemplo - Título conversível em ações

A Companhia possui um investimento em um título conversível em ações emitido pela Companhia B, o que dá à Companhia A a opção de conversão em um número fixo de ações da Companhia B. De acordo com a IAS 39 (CPC 38), como a opção de conversão embutida não está intimamente relacionada ao contrato de dívida, o título conversível era bifurcado em um contrato principal (mensurado pelo custo amortizado) e uma opção de conversão em ações (mensurada ao VJR).

Agora, de acordo com a IFRS 9 (CPC 48), o título conversível é avaliado como uma unidade de contabilização única. Como os termos contratuais do instrumento não dão origem apenas a pagamentos de principal e juros sobre o valor principal do título, ele não atende ao critério de “somente P&J” e é mensurado ao VJR.


As mudanças nos modelos de classificação e mensuração também afetam a forma como os ativos financeiros são apresentados no balanço patrimonial. A terminologia da IAS 39 (CPC 38) ficou obsoleta e a nova linguagem da IFRS 9 (CPC 48) precisa ser incorporada às práticas de elaboração das demonstrações financeiras das empresas. A IFRS 9 (CPC 48) também alterou a IFRS 7 Instrumentos Financeiros: Evidenciação (CPC 40) para introduzir novos requisitos de divulgação.

 

Perdas de crédito esperadas

A IFRS 9 (CPC 48) possui um único modelo de perda de crédito esperada aplicável a todos os ativos financeiros mensurados ao custo amortizado e instrumentos de dívida mensurados a VJORA, com algumas simplificações para recebíveis comerciais, ativos contratuais e recebíveis de arrendamento.

O modelo de perdas de crédito esperadas difere significativamente do modelo de perda incorrida da IAS 39 (CPC 38), uma vez que não é mais necessário que um evento de perda ocorra para que o impairment seja reconhecido. Em outras palavras, não precisa mais haver um evento de perda para iniciar-se o seu reconhecimento, ou seja, não é mais apropriado esperar que um cliente fique inadimplente (ou haja outra evidência de perda) para registrar uma provisão para perda. Sob o modelo de perdas de crédito esperadas, as empresas tendem a registrar provisões para perdas mais cedo, em montantes maiores e mais voláteis em relação às que eram reconhecidas anteriormente.

Nas empresas não financeiras muitos ativos financeiros podem ser impactados pela IFRS 9 (CPC 48).

Ativo financeiro

Abordagem de perdas esperadas

• Recebíveis comerciais e ativos contratuais sem componente significativo de financiamento

Abordagem simplificada

• Recebíveis comerciais e ativos contratuais com componente de financiamento significativo

 

• Recebíveis de arrendamento

Abordagem simplificada ou abordagem geral

• Investimentos em títulos de dívida mensurados pelo custo amortizado ou a VJORA

 

• Empréstimos concedidos mensurados pelo custo amortizado ou a VJORA

Abordagem geral

 

Abordagem geral

De acordo com a abordagem geral, a provisão para perdas de crédito de um instrumento financeiro é inicialmente mensurada com base nas perdas esperadas para os próximos 12 meses. No entanto, se na data do balanço o risco de crédito do instrumento financeiro tiver aumentado significativamente desde o reconhecimento inicial, a provisão para perdas baseia-se em perdas de crédito esperadas para a vida inteira do contrato. Se, em um exercício subsequente, o risco de crédito determinado não mais apresentar um aumento significativo desde o reconhecimento inicial, a provisão para perda volta a ser mensurada com base nas perdas de crédito esperadas para 12 meses naquele período subsequente.

 

Abordagem simplificada

Para recebíveis comerciais e ativos contratuais sem componente de financiamento significativo, a IFRS 9 (CPC 48) permite uma abordagem simplificada usando a mensuração da perdas de crédito esperadas pela vida inteira, independentemente de ter sido observado um aumento significativo no risco de crédito. Embora a IFRS 9 (CPC 48) exija o desconto das perdas esperadas para considerar o valor do dinheiro no tempo, no caso de recebíveis comerciais e ativos contratuais sem componente de financiamento significativo de curto prazo, pode ser possível concluir que o efeito do desconto não é material.

Para recebíveis comerciais ou ativos contratuais com um componente de financiamento significativo e para recebíveis de arrendamento, as empresas podem optar por aplicar a abordagem simplificada ou abordagem geral para mensuração das perdas de crédito esperadas. A abordagem simplificada é menos complexa, mas pode resultar em um valor mais elevado de perdas de crédito esperadas na maioria das circunstâncias. Além disso, as perdas de crédito esperadas de tais ativos devem ser descontadas usando a taxa de juros efetiva original do instrumento.

 

Matriz de provisão

A IFRS 9 fornece um expediente prático de mensuração de risco de crédito na forma de uma matriz de provisão². A matriz de provisão leva em consideração os saldos históricos dos recebíveis comerciais ao longo de um determinado período de tempo, segregados com base nas características de risco de crédito, e divididos em categorias de inadimplência - por exemplo: em dia, até 30 dias em atraso, entre 31-60 dias em atraso e assim por diante.

Usando os dados históricos é possível determinar a taxa pela qual os devedores passam para uma categoria com maior risco de inadimplência ao longo do tempo e, em seguida, usando a multiplicação de matrizes, determinar uma taxa de perda para cada categoria de inadimplência.

As taxas de perda histórica identificadas devem ser ajustadas para refletir as condições atuais e também as condições econômicas futuras ao longo da vida remanescente dos recebíveis comerciais, utilizando para isto projeções “razoáveis e suportáveis”. Estas taxas de perda são então aplicadas ao saldo de contas a receber em aberto, por categoria de inadimplência, para determinar a provisão para perdas de crédito esperadas.

Essa abordagem pode parecer semelhante ao que já é feito na maioria das empresas quando calculam suas provisões para perdas de crédito conforme IAS 39 (CPC 38). No entanto, a IFRS 9 (CPC 48) requer que as taxas de perda reflitam informações relevantes, razoáveis e suportáveis sobre as expectativas futuras que influenciam a perda esperada. Desta maneira, as provisões para perdas de crédito estimadas segundo a IFRS 9 (CPC 48) tendem a ser maiores do que a abordagem de perda incorrida anteriormente utilizada.

 

O quadro abaixo apresenta um exemplo ilustrativo de matriz de provisão:

Categoria de

inadimplência

Taxa de

perda

Recebíveis

comerciais

Provisão

para

perdas

esperadas

Em dia 3,0%      15.000         45             
1-30 dias em atraso 1,6% 7.500 120
31-60 dias em atraso 3,6% 4.000 144
61-90 dias em atraso 6,6% 2.500 165
Acima de 90 dias em atraso 10,6% 1.000 106
Total   30.000 580


A matriz de provisão é uma maneira eficaz de estimar perdas de crédito esperadas de maneira consiste período a período. Ela tende a ser bastante útil para empresas com um alto volume de vendas e, portanto, saldo relevante de recebíveis comerciais. No entanto, as empresas devem agrupar de maneira apropriada os recebíveis comerciais com base em características de risco de crédito (por exemplo, geografia ou rating de crédito devedor) e determinar taxas de perda para cada grupo.

Entretanto, este método pode não ser apropriado para empresas com padrões de receita altamente sazonais, sendo necessário recorrer a outros métodos. Isso ocorre porque os recebíveis comerciais podem não seguir um padrão ou podem atingir um volume muito acima da média em determinados momentos durante o ano fiscal. O uso de uma matriz de provisão em tais casos poderia resultar em taxas de perda que não são adequadas para a mensuração de perdas de crédito esperadas.

Indiscutivelmente, o aspecto mais desafiador da aplicação das perdas de crédito esperadas da IFRS 9 (CPC 48) aos recebíveis comerciais são as projeções razoáveis e suportáveis das condições econômicas futuras e como integrá-las ao cálculo. Esta estimativa prospectiva deve levar em conta mudanças nas condições macroeconômicas que afetam a capacidade dos devedores de continuar pagando.

Observação KPMG

Para muitas empresas, a falta de experiência na projeção ou uso de dados econômicos na estimativa de perdas implica a necessidade de uma curva de aprendizado para incorporá-las à mensuração da perda esperada. A maioria das empresas não tem a prerrogativa de ter um economista interno e, portanto, contratou serviços externos para obter projeções de dados macroeconômicos. Isso cria dados adicionais para a elaboração de estimativas financeiras que devem estar sujeitos a seus processos de controle interno.

 

 

Outros ativos financeiros

Outros ativos financeiros mensurados ao custo amortizado, como empréstimo concedidos, títulos de dívida (por exemplo, títulos privados, títulos públicos) ou contratos de garantia financeira emitidos, também exigem reconhecimento de impairment segundo o modelo de perda esperada. Para esses, a abordagem simplificada não está disponível. Isso traz uma complexidade adicional à modelagem, devido à necessidade de gerenciar migrações de ativos entre os intervalos de medição de 12 meses e a vida inteira do instrumento.

Os ativos no escopo do impairment da IFRS 9 (CPC 48) que tinham uma provisão zero de perda de crédito de acordo com a IAS 39 (CPC 38) porque não haviam apresentado "evidência objetiva de perda" podem ter alguma provisão de acordo com a IFRS 9 (CPC 48). Esta é uma mudança importante porque a inexistência de um histórico de perdas não pode ser usada como a única base para concluir que a perda de crédito esperada para um ativo financeiro mensurado pelo custo amortizado é zero.

Para considerações relacionadas a US GAAP, leia nossa publicação IFRS compared to US GAAP.

Autores

Tiago S. Bernert, Roland Kuerzi, André M. Tristão, Luciana T. de Lima

1.   A IFRS 9 Instrumentos Financeiros (CPC 48) é efetiva para períodos anuais iniciados após 1º de janeiro de 2018. As empresas podem optar por adiar a aplicação do novo modelo de hedge accounting até que o projeto de macro hedge do IASB esteja completo. As seguradoras podem optar por adotar a IFRS 9 (CPC 48) em sua totalidade até que a IFRS 17 Contratos de Seguro seja efetiva.

2.   A abordagem da matriz de provisão deve seguir os princípios descritos no parágrafo IFRS 9.5.5.17 (CPC 48.5.5.17).

As informações aqui contidas são de natureza geral e não têm a intenção de abordar as circunstâncias de qualquer indivíduo ou entidade em particular. Embora nos esforcemos para fornecer informações precisas e oportunas, não podemos garantir que tais informações sejam precisas na data em que são recebidas ou que continuarão a ser precisas no futuro. Ninguém deve agir com base nessas informações sem o devido aconselhamento profissional após uma análise aprofundada da situação específica.

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