O mundo está ainda no rescaldo da cimeira climática COP28 realizada em novembro no Dubai. Mais de 100.000 visitantes não saíram do encontro de mãos totalmente vazias, com todos os 198 países presentes a chegarem a um acordo relativamente à transição gradual na utilização de combustíveis fósseis que muitos classificaram como histórico e significativo.

No entanto, os mais críticos e céticos, alertam para o facto de ter sido perdida mais uma oportunidade para estabelecer compromissos realmente ambiciosos e significativos que permitam recuperar o tempo perdido. De facto, linguagem mais ambiciosa como a referência a uma “eliminação progressiva” dos combustíveis fósseis acabou por não ser incorporada no acordo final, apesar do apoio de mais de 100 países, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia.

Muitos acreditam que esta omissão irá afetar de forma muito negativa o ritmo do, já de si, lento processo de descarbonização em curso.

O estudo de 2023 da KPMG “NetZero Readiness Report” analisa a performance do processo de descarbonização dos principais países e setores económicos e antecipa os desafios que irão enfrentar na sua jornada rumo ao objetivo “net zero”.

Uma das principais conclusões deste estudo, é que o processo de descarbonização irá exigir elevados investimentos por parte dos setores público e privado. No entanto, são identificados vários fatores que irão muito provavelmente condicionar a capacidade de investimento em descarbonização da Europa nos próximos dois a três anos. 

Por um lado, a pandemia COVID-19 veio provocar um aumento da despesa pública com a saúde e apoios à economia, afetando a capacidade de investimento público em descarbonização, situação agravada pelos efeitos que a guerra na Ucrânia tem na subida dos preços da energia, obrigando os governos a conceder apoios às famílias e às empresas para subsidiar os custos com energia. A este contexto já muito adverso, segue-se uma subida vertiginosa das taxas de juro, a qual afeta a capacidade de pagamento do serviço da dívida dos estados e das empresas, condicionando fortemente a sua liquidez e a capacidade de realização de “investimentos verdes” com impacto na descarbonização da economia.

Portugal não será exceção, e será muito difícil compatibilizar os exigentes investimentos de descarbonização com a falta de liquidez do atual enquadramento macro-económico, marcado por uma forte incerteza política.

A transição para energias renováveis terá de desempenhar um papel central em Portugal, com a produção de energias renováveis – como a solar, eólica, hidroelétrica e biomassa – a ter de ser reforçada. Mas não bastará aumentar a capacidade de geração de energia renovável, será necessário assegurar uma adequada integração dessas fontes de energia na rede elétrica nacional e apostar no desenvolvimento de tecnologias de armazenamento de energia, como baterias de íon-lítio, armazenamento térmico e sistemas de hidrogénio, cruciais para lidar com a intermitência das energias renováveis e para garantir um fornecimento confiável de energia.

Outro dos pilares da estratégia nacional para a redução das emissões de carbono terá de ser forçosamente a promoção de uma maior eficiência energética em todos os setores, desde edifícios e indústrias até produtos de consumo. Este objetivo implicará avultados investimentos na renovação do parque habitacional, especialmente desafiantes no atual contexto de crise da habitação em Portugal. Mas, também serão necessários investimentos muito significativos para a implementação de processos de produção mais limpos e eficientes na indústria, essenciais para reduzir as emissões de carbono.

Mas o desempenho de Portugal não irá depender apenas do poder político e da resposta das empresas. Uma maior consciência ambiental e uma mudança efetiva dos comportamentos dos cidadãos será fundamental em todo o processo de transformação. Uma mudança cultural em direção a estilos de vida mais sustentáveis, consumo responsável e conscientização sobre os impactos ambientais das escolhas individuais são tendências que irão afetar de forma muito relevante o sucesso do nosso processo de descarbonização.

Artigo de Pedro Cruz, Partner de ESG, a 23 de fevereiro no ECO.

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