A KPMG desenvolveu o estudo “KPMG Insurance CEO Outlook Report”, que averiguou a opinião dos CEO de Seguros sobre o setor segurador, desde os desafios que tem atravessado até às perspetivas de futuro, nas quais entra a necessidade de adaptação à digitalização e às novas tecnologias, como a Inteligência Artificial.

Entre os resultados do estudo, estão números relacionados às perspetivas dos CEO de Seguros sobre o crescimento do setor e a necessidade de adotar as novas tecnologias para melhorar os seus negócios. Em entrevista ao ECO, Nuno Esteves, Partner de Advisory da KPMG Portugal, faz uma análise dos dados do estudo.

1. De acordo com os dados do estudo da KPMG "Insurance CEO Outlook Report", os CEO de Seguros demonstram uma redução da confiança relativamente às perspetivas de crescimento no setor dos seguros (75% em relação aos 90% do ano anterior). No entanto, o otimismo em relação à economia global aumentou de 72% para 74%. Como se pode justificar esta quebra na confiança, mesmo a perspetiva em relação à economia global tendo aumentado?

Do meu ponto de vista, o único número que estava um pouco elevado eram os 90% do ano anterior. Penso que cerca de ¾ dos CEO acreditarem tanto na economia, como no crescimento do setor, indica um otimismo moderado de crescimento que me parece compatível com o cenário macroeconómico e geopolítico de alguma incerteza, contrariado pela jornada de transformação e inovação que as companhias têm desenvolvido nos últimos anos. Esta aparente incongruência é bastante ligeira, ou seja, 74% acreditam no crescimento da economia e 75% no crescimento do setor. Sendo um setor bastante sensível a ciclos económicos, esta proximidade faz mais sentido. Penso que essencialmente se tratou de um ajustamento do elevado otimismo na performance do setor que ocorreu o ano passado.


2. Há uma concordância generalizada entre os CEO de Seguros sobre a necessidade da digitalização e do uso de novas tecnologias para a modernização das seguradoras. Nesse sentido, o estudo revela, ainda, que 73% dos CEO de seguros afirmam que a IA Generativa é uma oportunidade de crescimento para as organizações. Mas quais são os benefícios práticos que esta ferramenta pode trazer às seguradoras?

Começam cada vez a aparecer mais casos de uso para a aplicação de IA Generativa no contexto de seguros. Não sendo uma tecnologia nova, a grande diferença face ao passado é que o nível de maturidade dos modelos utilizados é bastante superior, o que permite uma utilização mais massificada. A sua aplicação é transversal a toda a cadeia de valor. Apenas a título de exemplo destaco alguns casos que estão já em desenvolvimento:

  • Utilização no contexto de suporte a clientes ou mediadores para melhorar o desempenho de assistentes virtuais, tanto no contexto de vendas virtuais, como no contexto de serviço.
  • Utilização no processamento automático de dados não estruturados, nomeadamente documentação de clientes e prestadores de serviços.
  • Utilização na automatização de decisões, tanto no contexto de subscrição (ex.: sofisticação dos modelos de tarifação) como no contexto de resolução de sinistros (ex.: sugestão de ações tendo por base a análise de casos semelhantes).

3. E quais são os desafios?

Do meu ponto de vista existem três grandes desafios na (não) adoção de tecnologia:

  • Risco de cibersegurança, resultante não apenas de um maior nível de digitalização e de abertura dos sistemas das companhias a clientes e parceiros, mas também de uma crescente utilização de soluções cloud (que não estão residentes internamente nos sistemas da seguradora).
  • Risco de segurança de informação, nomeadamente no cumprimento de todos os requisitos regulamentares de privacidade de dados e no cumprimentos dos princípios éticos e de não discriminação.
  • Risco de não adoção ou de não acompanhamento das tecnologias disruptivas. Este facto pode levar à perda de competitividade face aos principais concorrentes.

4. No mesmo estudo, 67% dos CEO de seguros revelam ter capacidade para lidar com riscos cibernéticos, o que demonstra um aumento face ao ano anterior. A que se deve este aumento na confiança?

Para além do reforço de regulamentação do setor (por exemplo, a diretiva europeia DORA), tem havido um crescente investimento nesta área, tanto na capacitação das equipas e desenvolvimento de mecanismos de reforço de segurança, como na realização regular de testes de cibersegurança (por exemplo, testes de intrusão). A oferta de serviços nestas matérias por parte das principais empresas também tem aumentado, o que contribui para uma melhor preparação. O setor segurador tem igualmente a particularidade de disponibilizar serviços de proteção e prevenção de risco nestas áreas, o que contribui igualmente para esta maior preparação. Por último, penso que o facto de os CEO inquiridos pertencerem a companhias de grande dimensão mundial, contribui para o aumento desta confiança. É expectável que em companhias um pouco mais pequenas esse nível de confiança seja um pouco menor.


5. Os critérios ESG também são apontados por 72% de CEO de seguros como algo que está totalmente integrado na atividade seguradora e, inclusive, há 31% que afirmam que esta estratégia os ajuda a construir relações com os clientes. Mas de que forma?

O tema do propósito e das relações emocionais está no topo das prioridades do setor. Sendo tradicionalmente um setor pouco transacional, em que os principais contactos são no momento da venda e na eventualidade de um sinistro, as companhias procuram reforçar a ligação aos seus clientes e parceiros. O cumprimento de requisitos ESG nas três vertentes (ambiental, social e de governação) é valorizado pela generalidade dos clientes, com destaque para as novas gerações. O desenvolvimento de iniciativas nestas matérias bem como o aumento da visibilidade dos diversos indicadores e iniciativas, contribui para o reforço dessa ligação emocional e notoriedade da própria marca.


6. Apesar da aposta na digitalização, 53% dos CEO de seguros considera que, daqui a três anos, o modelo de trabalho será apenas presencial, 41% acha que continuará o híbrido e apenas 5% apoia o remoto. Porquê esta resistência? Não será ela incompatível com a modernização?

A modernização vai incidir sobre o trabalho mais repetitivo e mecanizado, contribuindo essencialmente para a melhoria de eficiência. Independentemente do grau de automação, continua a existir um conjunto de tarefas de natureza colaborativa e de relação em que tipicamente a presença física e a interação pessoal entre as equipas é valorizada. Existe igualmente uma perceção que a interação presencial aumenta o sentido de pertença, facilitando a passagem de valores da companhia e contribuindo para uma menor rotação. Penso que é nesta perspetiva que existe esta opinião de aumento do trabalho presencial, pelo menos em algumas áreas, não sendo incompatível com o reforço de automação. Provavelmente iremos assistir a modelos de trabalho diferenciados consoante as tarefas desempenhadas.


7. Este estudo revela que as prioridades dos CEO de Seguros se prendem com a tecnologia, o talento e os critérios ESG. Como vê o futuro do setor, tendo em conta estas prioridades?

O setor segurador, apesar de ser afetado diretamente pelos ciclos económicos, tem-se mantido resiliente ao longo dos últimos anos. Exemplos relevantes são o comportamento na crise financeira de 2008 e no período da pandemia. Nesta fase, em que, uma vez mais, o contexto é desafiante, tanto a nível macroeconómico como geopolítico, acredito na capacidade da indústria se transformar.

Tenho visto nos principais players investimentos significativos em iniciativas de inovação que passam não apenas pela automação e digitalização dos processos, mas também pelo reforço de iniciativas que contribuem para um aumento de valor. Alguns exemplos são a criação de ecossistemas em áreas como a saúde, a casa ou o automóvel ou o desenvolvimento de novas parcerias para a distribuição de seguros. Estes são apenas alguns exemplos de iniciativas que considero irão contribuir para a continuação do crescimento e aumento de notoriedade do setor.


Entrevista a Nuno Esteves, Partner de Advisory, a 16 de fevereiro no ECO.