O Net Zero Readiness Report 2023 baseia-se na experiência dos especialistas da KPMG que trabalham a nível internacional, bem como em cada um dos países abrangidos. Os insights que se seguem baseiam-se nas suas observações, com visões mais detalhadas nos perfis do setor e do país.

1. A maioria dos países com maior nível de emissões do mundo aumentaram as suas ambições net zero.


Em fevereiro de 2021, os EUA, o segundo maior produtor de gases com efeito de estufa em volume a nível mundial, aderiram formalmente ao Acordo de Paris sobre alterações climáticas, e a Lei de Redução da Inflação introduziu importantes incentivos e benefícios fiscais para o trabalho de descarbonização, com 370 mil milhões de dólares atribuídos a programas ligados à segurança energética e ao clima.

O Presidente da China, Xi Jinping, afirmou em setembro de 2020 que o país, o maior produtor de gases com efeito de estufa em volume, teria como objetivo atingir o pico das emissões de carbono antes de 2030. Desde então, o governo publicou mais pormenores sobre a forma como espera alcançar este objetivo, incluindo o início da redução do consumo de carvão até 2030 e o aumento da energia produzida sem recurso a combustíveis fósseis para 20% até 2025 e 25% até 2030. Durante os próximos anos, a China considera que a eletricidade produzida a partir do carvão garante a segurança energética, mas os investimentos maciços em energias renováveis e em infraestruturas indicam que, a longo prazo, a China está a olhar para além do carvão.

A Austrália, que tem um dos níveis mais elevados de emissões de gases com efeito de estufa por habitante, introduziu novas políticas federais que totalizam um salto quântico na arquitetura legislativa do país após uma mudança de governo em maio de 2022. Estas incluem a consagração na lei de uma meta net zero para 2050, o aumento das metas de redução provisórias e o apoio a leis, metas, regulamentos e iniciativas. O Canadá, que tem emissões por habitante igualmente elevadas, incluiu milhares de milhões de dólares de incentivos para investimentos em "economia limpa" no seu orçamento federal de 2023. O Brasil, onde as emissões por habitante diminuíram nas últimas duas décadas, mas ainda continuam a ser mais elevadas do que a média global, está a discutir a introdução de um mercado de carbono regulamentado que se basearia nos progressos que o país já fez para reduzir as emissões da produção de eletricidade e de veículos rodoviários.

A UE inclui alguns dos países mais empenhados no combate às alterações climáticas, que, no seu conjunto, já fizeram progressos significativos em matéria de descarbonização. No entanto, a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022 e a consequente perda de gás natural russo nos mercados europeus levaram o bloco a aumentar as suas ambições através do plano REPowerEU, que visa acelerar a implementação de energias renováveis.

2. O Net Zero está a ser integrado nos sistemas económicos mundiais.


Por todo o mundo, as jurisdições introduziram sistemas de comércio de licenças de emissão que exigem que os produtores de emissões de gases com efeito de estufa comprem licenças ou autorizações negociáveis, embora muitos se apliquem apenas a alguns setores. No entanto, a UE, que criou o primeiro sistema deste tipo em 2005, está a alargar o sistema a novos setores, incluindo o transporte marítimo. A UE está também a reduzir o número de licenças e a eliminar gradualmente as atribuições gratuitas. A China está a planear alargar o seu regime, que abrange apenas a produção de energia, a oito grandes indústrias e a Coreia do Sul passará à fase seguinte do seu sistema em 2026, alargando igualmente a sua cobertura.

A UE vai introduzir o seu Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço a partir de outubro de 2023, que irá exigir aos importadores de alguns produtos que paguem um preço equivalente pelas suas emissões aos fabricantes sediados no bloco. A Austrália e o Reino Unido, que têm comércio de emissões, estão a considerar mecanismos semelhantes. A Índia deve contestar o mecanismo da UE e a África do Sul está a ponderar como deve responder, mas, com o tempo, os ajustamentos fronteiriços parecem capazes de reforçar a importância da produção de automóveis com baixas emissões de carbono como fonte de vantagem competitiva.

Em breve, empresas de vários países fornecerão mais informações sobre os riscos e planos relacionados com as alterações climáticas ao abrigo de uma série de novas normas. Estas incluem uma base de referência global elaborada pelo International Sustainability Standards Board, que os países, incluindo o Reino Unido, planeiam implementar. Outras jurisdições estão a introduzir regimes que se baseiam nestas normas, incluindo as Normas Europeias de Relato de Sustentabilidade, enquanto se espera a divulgação de novas regras por parte da U.S. Securities and Exchange Commission dos EUA e das autoridades australianas.

3. A produção de energia com baixas emissões de carbono está a crescer rapidamente.


Atualmente, os combustíveis fósseis – carvão, gás natural e petróleo – fornecem 82% da energia primária mundial, mas muitas das iniciativas políticas de descarbonização dos últimos dois anos centraram-se no aumento da energia com baixas emissões de carbono. Enquanto a China e a Índia estão a aumentar tanto a produção de energia a partir de combustíveis fósseis, como a energia com baixas emissões de carbono, a Agência Internacional da Energia prevê que as energias limpas recebam 1,7 biliões de dólares de investimento a nível mundial em 2023, incentivadas por jurisdições como os EUA e a UE, em comparação com 1 bilião de dólares para o carvão, o petróleo e o gás.

Os países podem escolher entre uma grande variedade de tecnologias com baixas emissões de carbono. Os países com grandes áreas de águas territoriais voltam-se agora para a energia eólica offshore, que atualmente consiste em turbinas fixas em águas pouco profundas. As novas plataformas flutuantes em desenvolvimento permitirão a produção de energia eólica em mares mais profundos, uma oportunidade especial para o Japão, dada a profundidade de muitas das suas águas territoriais. A Dinamarca está a desenvolver uma ilha artificial de energia como ponto de ligação e manutenção para a energia eólica offshore, enquanto a Irlanda leiloou recentemente os direitos de construção de turbinas nas suas águas.

A Índia está a desenvolver quantidades significativas de produção de energia solar para uso doméstico. Alguns países com níveis elevados de exposição solar e terra procuram exportá-la através de interconexões ou gasodutos destinados a hidrogénio verde produzido com energia solar, com planos para um projeto de gasoduto de 3.300 quilómetros pronto para o hidrogénio entre a Itália e o norte de África, enquanto Singapura aprovou uma interconexão que envolve mais de 1.000 quilómetros de cabos submarinos para importar eletricidade renovável do Camboja. Há um interesse renovado na energia nuclear, com os Emirados Árabes Unidos a colocarem em funcionamento a quarta e última unidade da sua nova central de Barakah.

O aumento na produção de energias renováveis é considerado uma das ações essenciais para atingir o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC. No entanto, atualmente, a maioria dos promotores de energias renováveis enfrenta vários desafios sérios que põem em risco o rápido crescimento das energias renováveis nesta década, tal como exigido pelo objetivo do Acordo. Estes desafios incluem a escassez de minerais essenciais, de infraestruturas de rede, de instalações de armazenamento de energia e de mão de obra qualificada, juntamente com inibidores políticos e constrições no planeamento. A resolução destes problemas exige a adoção imediata de abordagens inovadoras, uma vez que, se não o fizermos, teremos consequências significativas para o clima a nível mundial.

A KPMG acredita que é necessária uma maior compreensão dos desafios práticos envolvidos no aumento da produção de energias renováveis para que as ambições climáticas globais para 2030 e para o futuro possam ser alcançadas. Como resposta, a KPMG está a realizar um estudo abrangente para identificar e compreender os desafios globais, regionais e práticos que travam a rápida implementação das energias renováveis, delinear potenciais soluções e fazer recomendações específicas sobre como ultrapassar esses desafios.

4. O aumento das vendas de veículos elétricos mostra a rapidez com que alguns setores são capazes de realizar a descarbonização.


A quota global de vendas de automóveis elétricos triplicou, passando de 4,2% em 2020 para 14% em 2022. Na China, quintuplicou para 29%, enquanto que na Noruega, quase nove em cada 10 automóveis vendidos em 2022, eram elétricos. Embora partindo de uma base baixa e com níveis que variam muito de país para país, o transporte rodoviário é cada vez mais alimentado por eletricidade ou, no caso do Brasil, por biocombustíveis de etanol produzidos a partir da cana-de-açúcar ou do milho. Outros veículos rodoviários, incluindo veículos comerciais, autocarros e camiões, estão a passar cada vez mais para baterias ou combustíveis verdes. Outras formas de transporte, como o transporte marítimo e a aviação, estão a começar a realizar a descarbonização através da adoção de combustíveis verdes, mas a escassa disponibilidade e o elevado custo desses combustíveis, bem como a vida útil muito mais longa dos navios e aeronaves, significam que a mudança está a ocorrer, no entanto, mais lentamente.

O crescimento no número de veículos rodoviários elétricos está a criar alguns problemas de capacidade, com vários países a terem problemas em aumentar o número de carregadores de veículos e a capacidade da rede elétrica local com a rapidez suficiente para suportar as frotas elétricas em crescimento. A escassez destes carregadores poderá ser resolvida através do "carregamento dinâmico" que recarrega os veículos em movimento, algo que a Suécia está a planear introduzir em milhares de quilómetros de estrada. Em muitos dos casos, o crescimento no número de veículos elétricos exigiu elevados níveis de subsídios governamentais, que na Noruega envolveram reduções fiscais e incentivos aos preços, embora isso também tenha ajudado o país a conseguir desenvolver um ecossistema de start-ups neste domínio.

5. O impacto dos projetos de energia com baixas emissões de carbono em ambientes locais estão a causar conflitos "verde contra verde” (“green on green”).


A maioria dos tipos de produção de eletricidade tem um impacto local e este pode ser amplificado no caso da produção renovável situada em zonas rurais remotas. A ligação de um grande número de locais remotos e a distribuição de mais energia para carregamento de veículos, aquecimento e outros fins significa aumentar o campo de ação e a capacidade das redes elétricas. Tanto os projetos de produção como os de infraestruturas podem ter impactos significativos na vida selvagem, na biodiversidade e nas comunidades locais, levando à oposição e, em alguns casos, ao bloqueio dos trabalhos. As regulamentações ambientais nacionais também podem causar alguns conflitos semelhantes, com as licenças de emissão de azoto exigidas nos Países Baixos a impedir a construção de centrais de hidrogénio verde e de biocombustíveis em Roterdão. No entanto, são vários os países que estão a realizar esforços consideráveis no sentido de reformar os sistemas, de modo a poderem abordar estas preocupações de forma pró-ativa, nomeadamente através de um melhor planeamento do local, da consulta da comunidade e da partilha de benefícios.

A energia nuclear, que, apesar de não ser uma fonte de energia renovável, produz eletricidade com baixo teor de carbono de forma fiável continua, no entanto, a ser politicamente inaceitável em vários países. Alguns estão a reconsiderar esta posição e estão a planear novas capacidades, dada a forma como a energia nuclear contribui para a descarbonização em países como a França.

6. As reações negativas ao Net Zero ocorrem quando as pessoas receiam os custos e proibições em vez de novas oportunidades.


Embora muitas pessoas apoiem o objetivo de atingir o net zero, poderão opor-se a medidas em que seja necessário dispensar uma elevada quantia monetária ou que as impeçam de fazer algo, especialmente se isso envolver os seus meios de subsistência. O Reino Unido está a fazer esforços para que algumas das casas menos eficientes da Europa passem de aquecimento a gás natural para alternativas com baixo teor de carbono, sendo poucos os proprietários a optarem pela instalação de bombas de calor, dadas as despesas e dificuldades envolvidas. Recentemente, o governo britânico adiou a data planeada para o fim das vendas de novas caldeiras a gás.

Uma intervenção do Governo alemão no sentido de proibir as substituições de caldeiras a gás natural acabou por ser significativamente alterada após ter suscitado oposição. Na Suíça são concedidos apoios financeiros com a intenção de ajudar os proprietários a substituir o aquecimento com combustíveis fósseis nos edifícios.

A agricultura está a enfrentar profundos conflitos sobre a redução de emissões, com alguns países destacando a necessidade da criação de gado contribuir para os desafios de descarbonização.

Na Nova Zelândia, as tentativas de chegar a acordo sobre a redução das emissões nas explorações agrícolas entre o governo e os representantes de agricultores e produtores, o que seria uma forma eficaz de incentivar a inovação, ainda não foram bem sucedidas.  Existem formas para que a agricultura possa reduzir as emissões, como a suplementação das dietas dos animais para reduzir o metano, transformando os efluentes em biocombustíveis e absorvendo o carbono. Esta última representa também uma oportunidade de "Blue Economy" para as zonas costeiras, incluindo as pequenas economias insulares, particularmente ameaçadas pelas alterações climáticas, através da expansão das áreas de cultivo e de outros ecossistemas ricos em carbono.