O entrevistado desta edição é Ludovino Lopes, advogado que ficou conhecido pelos especialistas em mercado de créditos de carbono pela sua vasta dedicação ao tema, não somente ajudando a estruturar o mercado, mas também pelo foco na verificação da documentação e de evidências envolvidas.

O especialista compartilhou suas expectativas para a COP27, que acontecerá no próximo mês de novembro, no Egito, e os possíveis impactos ao mercado brasileiro. Leia a entrevista completa

Qual a decisão mais importante a ser tomada na próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), que acontecerá em novembro, no Egito?

Certamente, a consolidação das regras para implementação do Artigo 6 do Acordo de Paris, seja no âmbito do 6.2 (Internationally Transferred Mitigation Outcomes – ITMOs) ou do 6.4 (Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável – MDS). Isso definirá as bases para o estabelecimento do mercado global de carbono entre os países e entre países e empresas.

Questões mais complexas, por exemplo, o entendimento sobre “avoided emissions” ou emissões evitadas (em setores como florestas e outros), e até mesmo a sensibilidade nos ajustes correspondentes, também devem ser pautas de discussões na COP27.

As questões relacionadas ao financiamento e aos compromissos de financiamento por parte dos países estarão igualmente no centro das atenções, ainda mais no cenário restritivo e de recursos cada vez mais escassos das nações (agora pressionadas pela agenda de segurança militar e realocação significativa para orçamento militar). Outros destaques são a tensão entre os blocos – refletindo os impactos da guerra na Ucrânia – e a necessidade de prover uma transição rápida para fontes de energia mais sustentáveis (ou eficientes), que permita alcançar uma equação geoestratégica menos dependente, especialmente do petróleo e do gás da Rússia (pelo menos no que concerne ao continente europeu).

Como essas decisões afetam a economia brasileira nos próximos cinco anos?

O quadro internacional afetará o posicionamento geoestratégico do Brasil – e alianças possíveis. Além disso, a pauta de produtos e serviços que está trazendo as novas regras de acesso a mercados ligados a questão do desmatamento e da pegada ecológica, as quais afetarão diretamente diversos setores nos próximos anos, em especial as indústrias de mineração, cimento e o setor agropecuário.  

Correndo em paralelo estará a agenda de redução de emissões, refletida pelos compromissos Nacionais Determinados (NDC) que o País já declarou. Isso criou a necessidade de definir os planos setoriais de mitigação e adaptação. Com isso, pode-se promover a construção do Mercado Nacional de Reduções de Emissões (Mercado Regulado de Carbono), com todas as derivações e impactos sobre os diversos setores por ele abrangidos, que são: geração e distribuição de energia elétrica, transporte público urbano, sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros, indústria de transformação e de bens de consumo duráveis, indústrias químicas fina e de base, indústria de papel e celulose, mineração, indústria da construção civil, serviços de saúde e agropecuária.

Com sinal positivo, vemos a oportunidade de desenvolver setores nacionais como os relacionados à agenda de energias renováveis, solar, eólica, biocombustíveis, hidrogênio verde e a oportunidade não menos relevante no âmbito das soluções baseadas na natureza (NBS). Elas podem  tornar o País em potencial fornecedor de reduções de emissões advindas do setor florestal e até mesmo da agricultura e da pecuária sustentáveis. 

Quais setores serão os mais afetados? Por quê?

Os setores de transporte e mobilidade urbana, energia, indústria e mineração estão entre os principais segmentos que enfrentarão maiores desafios para se ajustarem à internalização e adaptação dos quadros legais nacionais, para as diretrizes resultantes do caderno de regras “Rule Book”, do Acordo de Paris. Contudo, isso não quer dizer que outros setores, tais como o florestal, a agricultura e a pecuária não venham a ser afetados nos próximos anos.

A questão que se coloca é: quais setores deverão permanecer num quadro voluntário e, portanto, podendo contribuir com “reduções de emissões” para a agenda nacional e global; e quando tais setores deverão integrar com metas mais ambiciosas a NDC nacional e, consequentemente, evoluírem para uma agenda regulada interna, assim como para uma aderência futura ao quadro regulamentar dos artigos 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris.

O desafio está dado e demanda uma capacidade de interação entre os diversos setores e o governo para articular um plano nacional capaz de internalizar as regras do Acordo de Paris e englobar as necessidades e solucionar as oportunidades dos mercados.

Nesse momento, qual a sua recomendação para os líderes empresariais brasileiros?

A primeira recomendação seria a de criar dentro de suas organizações, conselhos e/ou departamentos qualificados que fomentem a pauta ESG – especialmente a relacionada com emissões e regeneração – no nível de direção estratégica, buscando conselho com empresas e profissionais qualificados que facilitem a construção dos alicerces dessas estruturas.

A segunda recomendação é identificar e localizar em qual setor da economia sua empresa se situa (e assim entender qual o grau de risco na matriz de transição) e, consequentemente, qual o posicionamento estratégico que o setor que a organização integra assumiu. Os diferentes segmentos terão que se preparar de formas diferentes.

Alguns setores, por exemplo, poderão abrir uma nova janela de oportunidades, qualificando-se como originadores de reduções de emissões “créditos de carbono” ou ainda de produtos e serviços que tenham uma “pegada ecológica – intensidade de carbono” menor e, portanto, mais competitiva na pauta internacional de “ajustes de fronteira”.

 Fica ainda a dica, para aqueles que puderem, incluírem no objeto social de suas empresas a nova classificação de atividade econômica do CNAE = 0220-9/06 – que permite a prestação de serviços ambientais que englobam: (I) a conservação da vegetação nativa, com objetivo de aumento e manutenção dos estoques de carbono; (II) conservação da biodiversidade; (III) polinização; (IV) regulação do clima; (V) disponibilidade hídrica; (VI) proteção e fertilidade do solo; (VII) ciclagem de nutrientes; entre outros benefícios ecossistêmicos.

Para os novos empresários, a recomendação fundamental é que seus empreendimentos já sejam constituídos com um formato que englobe e respeite a pauta ESG e, se possível, considerem como uma de suas prioridades, os produtos e serviços de baixo impacto de carbono e a máxima de sempre “people, planet and profit” – respeito as pessoas, cuidando do planeta e, claro, realizando negócios justos, lucrativos e sustentáveis.