Giovana Araújo é sócia-líder de Agronegócio da KPMG no Brasil, com 25 anos de experiência no mercado. Nós perguntamos a ela quais são os desafios do setor na transição para uma economia de baixo carbono, quais empresas serão mais impactadas com esse novo contexto e qual é a importância de ter uma governança corporativa com práticas ESG dentro do agronegócio. Confira aqui as respostas de Giovana e suas reflexões.

Na sua visão de especialista no agronegócio brasileiro, quais são os grandes desafios para este setor considerando a transição global para uma economia de baixas emissões de carbono, regenerativa, inclusiva e circular?

Um primeiro desafio que se coloca para a transição para uma economia de baixo carbono no agronegócio é dar escala às práticas e tecnologias já disponíveis para a redução de emissões e fomento à adaptação diante dos desafios da mudança do clima. Para isso, será fundamental atrair o capital privado, o que exige que essas oportunidades sejam empacotadas em ações concretas em relações às emissões, com planos bem desenhados, de forma a obter os investimentos. O segundo desafio para as empresas do setor de agronegócio é estabelecer metas e indicadores bem definidos. E precisamos adicionar aqui a perspectiva temporal: na COP26, o Brasil assumiu um novo compromisso de redução de 50% das emissões de gases poluentes até 2030, em comparação aos níveis de 2005. E, por último, destacaria o desafio de avançar no desenvolvimento de uma metodologia tropicalizada de Mensuração-Relato-Verificação (MRV), adaptada às nossas condições climáticas.

É sempre bom lembrar que, na última década, o Brasil desenvolveu um arcabouço sólido de políticas públicas para incentivar a produção agrícola e agroindustrial sustentável, conectada com a preservação ambiental, entre as quais destacam-se o Código Florestal, o Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC) e o RenovaBio. O Plano ABC, em particular, foi decisivo para a implementação de tecnologias de baixo carbono na agropecuária ao instituir um programa de financiamento para os produtores rurais adotarem tecnologias contempladas nas metas do plano, como Recuperação de Pastagens Degradadas, Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPs) e Sistemas Agroflorestais (SAFs), Sistema de Plantio Direto (SPD), Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), Florestas Comerciais Cultivadas, Tratamento de Resíduos Animais e Adaptação às Mudanças de Clima. Desde seu lançamento, em 2010, o Programa ABC financiou cerca de R$ 20 bilhões, mas, para implementar integralmente as metas do plano ABC, seria necessário um montante 10 vezes maior.

Ou seja, o fundamental está feito, o que precisamos agora é levar tudo isso para outra escala.

Quais empresas do setor serão mais impactadas pelo novo contexto e novas demandas? Por quê?

Não podemos perder de vista a perspectiva transformadora trazida pelos consumidores, que estão cada vez mais atentos e preocupados com sustentabilidade, particularmente com a vertente ambiental. Dessa forma, as empresas da cadeia de valor agroalimentar que fazem interface direta com os consumidores tendem a ser mais pressionadas em um primeiro momento. Alguns blocos econômicos e países estão mais adiantados nos debates e na regulamentação ambiental, como a União Europeia (UE). As empresas que exportam para esses blocos e países terão, portanto, que se adequar mais rapidamente a essas exigências regulatórias, que, no caso da UE, tendem a ser mais robustas e restritivas. Elas têm um forte componente em relação às emissões de gases do efeito estufa, mas também abordam outros aspectos.

O que elas podem fazer sobre isso? O que devem priorizar? No que devem investir? Que parceiros podem buscar?

Primeiro, as empresas terão que fazer uma gestão bem-feita dos aspectos ambientais, sociais e de governança relacionados ao seu negócio e, depois, buscar aperfeiçoar continuamente essas práticas. O fortalecimento das estruturas de governança da empresa, seja ela familiar ou não, é um primeiro e importante passo para o mapeamento adequado de oportunidades e riscos atrelados à agenda ESG, assim como para o aprimoramento do uso das ferramentas de controle e compliance. As tecnologias digitais são também importantes aliadas na agenda ESG e, em particular, na descarbonização e rastreabilidade, na medida em que trazem precisão à mensuração, ao monitoramento e ao reporte das emissões e outros indicadores. É importante internalizar que a descarbonização, o caminho para emissões zero, é uma jornada, que começa com o inventário de emissões, passa por definições de metas de descarbonização com bases científicas e avaliação de riscos relacionados ao clima, e chega até a construção e o reporte de planos de descarbonização. Isso tem valor de mercado. Nessa jornada, é importante investir em especialistas e selos de confiança.

Você acabou de liderar um trabalho sobre a governança de uma parte do agronegócio. Quais foram as principais conclusões?

A pesquisa sobre governança no agronegócio foi uma iniciativa conjunta com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), reflexo da constatação de que o setor, apesar de responder por 27,4% do PIB nacional e por um saldo na balança comercial de US$ 105 bilhões em 2021, não dispunha de uma fotografia desse tipo. Essa é, portanto, uma pesquisa pioneira, que traz para o mercado um retrato de natureza exploratória sobre a adoção de práticas de governança na agropecuária, incluindo ESG e inovação. Uma primeira conclusão é que a governança entrou no radar da agropecuária e do agronegócio brasileiro, o que traz uma leitura positiva. A governança corporativa é conhecida e valorizada entre os produtores rurais da amostra que, em geral, lhe atribuem grande importância. Contudo, na visão dos participantes da pesquisa, ainda faltam informações de referência adequadas e adaptadas ao agronegócio. As principais necessidades de governança se referem a planos de sucessão, gestão de riscos, melhoria nos controles internos, compliance e formalização de papéis e responsabilidades. O principal desafio apontado pelas empresas familiares é a sucessão. Os aspectos ESG têm sido debatidos nos altos escalões dos empreendimentos rurais, porém, ainda há desafios relevantes na sua implementação e monitoramento. Inovação também é um tema emergente. Tanto o tamanho da empresa quanto a geração (no caso dos empreendimentos rurais familiares) parecem estar associados à maior adoção de boas práticas de governança.

Se você tivesse que dar três conselhos para os líderes das grandes e médias empresas do agronegócio no Brasil para que elas sejam bem-sucedidas neste novo contexto, quais seriam?

  1. Um novo mundo se apresenta ao agronegócio, especialmente na esfera global, e entender como a regulação e a temática social e ambiental irão afetar a cadeia de valor em que a sua empresa está inserida, particularmente os fornecedores e clientes, é fundamental para a construção do planejamento estratégico.
  2. É preciso construir modelos de negócios resilientes, ágeis e responsivos, e, para tanto, investir em tecnologias digitais, especialistas e selos de confiança.
  3. A transição global para uma economia de baixas emissões de carbono traz inúmeros desafios, novas equações de valor, mas também oportunidades. É preciso se preparar também para elas. O Brasil é a maior potência agroambiental do mundo, com inúmeras possibilidades inexploradas de negócios envolvendo carbono.

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